Tanto se escreve e fala sobre amor. Mas saberemos de que se trata?
Foto in "Google Imagens"
Maria Aerdna sentada no autocarro, segura a revista que comprou no quiosque da estação e pensa na felicidade que o simples fato de poder planificar o seu dia lhe traz. E no facto da corriqueira organização social e urbanística contribuir para isso.
Agora, sentada a meio do autocarro com o lugar ao seu lado desocupado, folheia a revista despreocupada. Na próxima meia hora não tem de se preocupar com nada.
Maria Aerdna não é esquisita com o que lê, até o rótulo da pasta dos dentes serve. Mas as revistas ditas "cor-de-rosa", apesar de serem especializadas em pessoas, repetem as mesmas histórias e os mesmos personagens. Tornam-se enfadonhas. Para não falar nos constantes desmentidos que as suas notícias são alvo e a publicidade que agride os sentidos. Comprá-las é como ir ter com a vizinha para saber das novidades e depois sair sem acreditar no que nos disse. Sim, é o tipo de leitura que se pode fazer de vez em quando, mas não quando queremos algo que nos informe e com o qual se possa aprender alguma coisa. Ela gosta de aprender.
Na página 22, da revista que ela comprou, a seguir aos blocos noticiosos, começa um trabalho de dois jornalistas, sobre poetas portugueses. Estão lá os mais conhecidos: Camões, Pessoa, Florbela Espanca,…
Maria Aerdna interessa-se. Há um poema, que lhe chama a atenção:
Recorda-se da escola e da primeira vez que o leu. Foi na aula de português da professora Olga L.. Nessa altura, não se lembra se estava apaixonada, mas achou que esse poema era a melhor descrição do "Amor", que tinha visto. A frase "Amor é fogo que arde sem se ver", ficou guardada algures na sua memória até hoje.
Leu, releu e voltou a ler. Leu mais uma vez, mas algo aconteceu. O soneto já não lhe parecia igual, já não lhe parecia tão perfeito.
"Que sacrilégio!" - pensa quase escandalizada consigo mesma. "O que é que se passa? Quem sou eu para pôr em causa Camões? Os seus ditos atravessaram séculos!!! Escreveu a nossa história numa epopeia, simplesmente magistral. Alguma coisa devia saber. Era a sua verdade! Uma verdade com que muitos se identificaram durante séculos. Até eu o fiz. E se agora a minha verdade já não se identifica com o que escreveu o poeta? E se a minha verdade mudou? A minha verdade deixa de ser importante? Não sei o que é o amor?"
"Pensa Maria" - ordena a si mesma mentalmente. "Diz a pouca história que se conhece deste poeta, que ele foi um homem de muitos "amores". O poema hoje, parece-te mais uma descrição de um ser apaixonado do que um hino ao Amor. Aceita. A tua visão mudou. Está diferente, porquê?"
O que é o amr?
"Eu amo o meu Manel Pedro, eu amo os meus pais e irmãos, eu amo os meus amigos, eu amo a minha casa, eu amo o meu país, eu amo a minha liberdade de poder amar e escolher, eu amo as minhas criações, eu amo as criações de Manel Pedro, EU AMO." - pensa ela. E ao mesmo tempo o seu peito é um espaço totalmente ocupado. Está cheio de amor.
"Amo muitas pessoas e coisas diferentes e de forma diferente. O que é que me permite afirmar que se trata de amor? O fato de me preocupar, de me lembrar e, de querer CUIDAR destas pessoas. Então amor é isso: cuidar! Importar-se com o que se passa com esse outro ser, que embora independente de nós e totalmente autónomo, nos faz sentir o que se passa consigo como se de nós mesmo se trata-se."
Começou a recordar-se da angústia que sentiu quando percebeu que a sua mãe não estava bem. A infelicidade que a invadiu ao descobrir que a sua mãe era incapaz de ser feliz ao procurar a felicidade nas coisas erradas e não saber como a ajudar. O medo que teve quando a sua tímida e frágil irmã resolveu "tomar a vida pelos cornos" sozinha. E o orgulho que sentiu quando ela encontrou um caminho. A felicidade que sente por estas pessoas partilharem consigo os acontecimentos das suas vidas.
Recordou-se de Manel Pedro. "Que história, temos escrito os dois juntos!!!!" - e sorriu. Recordou-se da necessidade de partilhar os seus feitos, conquistas, angústias e medos com ele. Da necessidade de perceber se ele está bem. Se ele é feliz! Do sentir-se apagada quando ele não está e de sentir-se viva quando ele se encontra. Mesmo que isso signifique que estejam os dois na mesma sala com livros diferentes na mão. O sentimento de segurança: saber que ele existe e que se pode contar com isso. A necessidade de lhe dizer está aí quando quiser ou precisar.
"Amor é um fogo que arde sem se ver", sim. O poeta tem razão. É chama que nos consome e nos preenche, acrescentaria eu. Amor é conta de multiplicar, ao dividir-se por entre os amados.
Amor não escolhe alvo, mas escolhe cuidar. Se o amor não cuida, é porque está doente.