Serviços de urgência e a estrutura de saúde da nação…
Para os serviços de urgência apenas deviam ir os casos de perigo de morte iminente, como por exemplo: ataques do coração, reacções alérgicas violentas, dificuldades em respirar, etc…
Todos os outros casos de doença onde o perigo de morte não é imediato, deviam ser dirigidos para os centros de saúde.
E os médicos de família serviriam como patrocinadores da medicina de prevenção (vacinas, orientando a alimentação adequada ao doente, etc…) e orientadores de doentes dentro do sistema de saúde. Neste último caso, por exemplo, orientando o doente no tipo de exames necessários, que especialista consultar para os sintomas que apresenta, etc…
Este é o modelo em que a maior parte dos sistemas de saúde dos ditos países desenvolvidos assenta.
Acontece que funciona melhor numas nações do que noutras, porque nessas nações a distância entre a teoria e a realidade é menor.
Em Portugal, acredito que a teoria é muito boa e que os profissionais de saúde a tentem seguir, acontece que a realidade não ajuda.
Em primeiro lugar, porque não basta formar profissionais de saúde é preciso educar e informar os cidadãos de forma clara e coerente para que cada um cumpra a sua função. Esperar que numas urgências os profissionais de saúde estejam a fazer o seu trabalho e a educar os doentes é de uma estupidez considerável. Para educar estão as escolas e para informar está a tv, a imprensa, a igreja, a junta de freguesia, etc… Existem muitas formas de fazer chegar a informação aos cidadãos.
E em segundo lugar, era preciso que essa estrutura de saúde realmente funcionasse. Acontece que a medicina de prevenção, quase não existe, porque temos médicos de família sobrecarregados e ir marcar uma consulta com eles é mais complicado do que ver o Papa. Alguns médicos já usam a agenda para marcar a hora da consulta com o doente, evitando assim as perigosas e extenuantes esperas às portas dos consultórios. Afinal, estamos a falar de pessoas que na grande maioria não se sentem bem e aguentar as esperas são verdadeiros sacrifícios. Mas essa não é a realidade de todos os consultórios de médicos de família. Depois ir ao centro de saúde significa na maioria das vezes longas horas de espera (não têm o sistema de triagem hospitalar) e o médico vê o paciente a correr para cumprir o tempo médio de consulta, o que significa que grande parte dos doentes apenas perdeu tempo. Para evitar perder tempo, as pessoas tendem a saltar a etapa do centro de saúde, e vão directas ao hospital, onde normalmente esperam e se expõem a outras doenças mas, o seguro de uma resolução efectiva do seu estado de saúde é mais certo.
(Alguns recorrem à Linha 24, mas como o técnico não vê o paciente, na maioria dos casos joga pelo seguro e reencaminha-o para o hospital. Algumas pessoas erradamente julgam que isso lhes dá prioridade no atendimento, mas a Linha 24 é apenas orientadora e não tem poder de decisão sobre a organização hospitalar. A prioridade vai ser decidida pela triagem “in loco”.)
Ou seja, que para se exigir bom senso ao doente na hora de escolher o serviço de saúde, primeiro é preciso mantê-lo bem informado e depois ter estruturas a funcionar realmente.
A grande maioria das reclamações vêm de uma incompreensão da forma como funciona o sistema de Manchester, ou como nós o conhecemos, a triagem, e os grandes períodos de espera que muitas vezes se originam em ambiente hospitalar. Se a isso se juntar um mau atendimento, muitas vezes originado pela pressão dos profissionais e períodos de trabalho muito longos, o caldo entorna!
A atribuição das pulseiras de cores (azul/branca, verde, amarela, laranja e vermelha) não é aleatória e não depende do enfermeiro que nos atende. Eles seguem um formulário que vai orientando as perguntas de acordo com as respostas do paciente e no final indicam a cor da pulseira. Consultem aqui o funcionamento.
Uma pessoa que recebe a pulseira verde pode ter um tempo de espera até 2h. Mas esse tempo pode ser alterado se as condições da urgência onde vamos ser atendidos se alterarem, por exemplo, por: falta de pessoal, falta de material, um acidente com entrada de várias vítimas ao mesmo tempo, etc… São situações que podem prolongar a nossa estadia na sala de espera.
“Tudo isso é compreensível mas, existem abusos”, dizem-me vocês. Muito provavelmente mas, se não os pudemos provar, o melhor é não nos determos nesse pormenor e sim lutar para que as coisas funcionem melhor.
Um dos passos é a reclamação. Mas, escrever no livro que “o tempo de espera foi muito longo e isso é inadmissível” não acrescenta nada à resolução, porque provavelmente a equipa de serviço vai ter mil motivos para apresentar como justificação junto da entidade fiscalizadora. Temos de aprender a usar o livro de uma forma mais inteligente, por exemplo, apontando o defeito mas, também o que nos parece que poderia ter sido a solução. Se viram um médico demasiado tempo “desocupado”, perguntem-lhe o nome e na reclamação digam “ estive “x” tempo à espera enquanto o “Dr. Y” permaneceu desocupado”. Isto orienta quem lê a reclamação para resolver o problema. Ou escrevam, “vim às urgências porque o centro de saúde da minha zona estava lotado/fechado e a senhora enfermeira “X” mostrou-se molesta com a minha atitude e fez-me isto ou aquilo, quando se exige destes profissionais uma postura mais aberta e orientadora”. O que quero dizer é que se as reclamações forem mais pormenorizadas, deixam de ser vistas como meras “declarações de frustração” e sim como problemas com corpo e membros que têm ou podem ser solucionados.
Outro dos passos a dar para melhorar o nosso acesso ao sistema de saúde que todos sustentamos, é ter voz activa na forma como se governa e organiza a nação. Através de cartas aos nossos órgãos administrativos, petições públicas, ou organização de pessoas com intuito de melhorar a nossa nação, é preciso fazer chegar aos nossos Governantes que queremos mais dinheiro investido em estruturas de saúde e menos em Bancos e Sistemas Financeiros. O dinheiro entra no Estado através de impostos, taxas, multas, etc… A forma como o têm orientado é que não é a correcta e nós deveremos ter uma voz mais activa nesse aspecto. É preciso mostrar que estamos atentos, que queremos que a saúde, educação e segurança/justiça estejam asseguradas, antes de se fazerem apostas especulativas no Mercado Financeiro (que hoje em dia é uma perfeita bola de cristal complexa e com os dias traçados para o fim).
E para uma melhor saúde, para evitar ter de aceder a este tipo de estrutura, devemos repensar a forma como organizamos a nossa vida. Estamos numa época em que as organizações empresariais organizaram a vida da maioria em função dos seus lucros. E apenas nos resta, um a um, contrariar essa organização que nos deixa doentes.
Essa organização faz-nos fazer refeições cada vez mais rápidas e para termos tempo de comer, optamos cada vez mais por comida plástica, afinal não temos muito tempo para a sua confecção.
Temos cada vez menos tempo para estar com a família para a qual nos matamos a trabalhar para sustentar, perdendo todo o sentido de família, porque na realidade ela passa a ser um mero item de despesa na nossa vida.
A pressão para os resultados é constante mantendo o estado de alerta no nosso corpo eternamente ligado e roubando energia a outras funções corporais importantes, ditando que vamos ficar doentes mais tarde ou mais cedo, quanto mais não seja por pura exaustão. Nós investimos a nossa saúde para ter com que pagar as mil despesas que nos criaram e que na grande maioria não são essenciais à nossa existência, mas os lucros nunca chegam para nós. A promessa de uma velhice tranquila, há muito que mostrou que não vai ser cumprida, para os que tiverem a sorte de realmente lá chegar.
Mandam-nos fazer exercício, mas ao mesmo tempo criam-se estruturas que alimentam a preguiça humana. As vilas deixaram de ser espaços para as pessoas se moverem, hoje primeiro pensa-se por onde vão passar os carros, onde se vão estacionar os carros, e as pessoas ficam para último. E isto é instituído muito cedo às crianças que deixaram de se locomover pelas próprias pernas.
Etc…
É por isto que não apoio a maioria das dietas com restrições de alimentos, porque elas não vão garantir mais saúde a ninguém, a saúde é o resultado de uma série de circunstâncias e todas têm um papel fundamental.
O que é preciso é lutar para uma organização social mais adequada ao ser humano e menos pensada para o lucro rápido (a que apenas alguns acederão).
É preciso ter estruturas de saúde adequadas, robustas e que funcionem realmente mas, antes é preciso repensar a organização social e equilibrar as várias circunstâncias que zelam pela saúde humana.
E para chatice de muitos, isso não vai ocorrer com rezas e milagres, vai dar trabalho e vai exigir a participação da maioria, que deve aportar soluções, apoiar os que liderarem essas mudanças e principalmente exigir o respeito pela sua condição humana em todas as vertentes da sua vida social (e falo, por exemplo, de não deixar que seja o patrão a decidir a que horas é que vai à casa de banho, se pode ou não beber água durante o período de trabalho, etc…)
Pequenos gestos, repetidos por muitos, levam a grandes mudanças. A boa notícia é que existe muita gente a mobilizar-se, a má é que ainda não é suficiente por causa da falta de informação que leva ao síndrome do “sou agradecido por qualquer porcaria que me derem!”.
Procurem informar-se, cruzem informação, não leiam sempre os mesmos jornais, não vejam sempre o mesmo canal informativo e vão ver o mundo novo cheio de oportunidades de mudança que se pode abrir.
A todos os que agora se encontram numa sala de espera, sem saber como é que vão aguentar o corpo em pé sem se deitarem no piso (aconteceu-me tantas vezes) eu desejo-vos as rápidas melhoras. Aos que os acompanham, eu peço que façam valer os seus direitos, de forma educada e assertiva.
Fiquem bem! Dependemos da acção de cada um, para que todos possam melhorar!