E a família reencontrou-se ! (ainda continua...)
Parte III – E abriu-se a página da bisbilhotice familiar!
Fàfà aguarda a resposta com a colher a girar dentro da panela mas a atenção na prima.
Sem parar de cortar as cebolas, os tomates, a beterraba … para as saladas, Maria Aerdna responde:
- Há muito. Se contarmos a época em que nos conhecemos faz mais de uma década.
- Eu casei-me com o Vítor conhecíamo-nos à quatro anos. E somos muito felizes. – Diz com ar de caso.
- Nos tempos que correm podemos dizer que somos umas felizardas! – Remata Maria Aerdna.
- Sim. Mas não achas que já está na hora de te casares? Ou não queres pagar a festa à gente.
Claro que não ia ser assim tão fácil sair ilesa daquela inocente conversa. A sua família era mestre em vitimar-se em questões pessoais dos outros.
- Não me caso porque ainda não vi sentido em fazer um contrato escrito com o Manel Pedro que assegure uma vida em conjunto com ou sem amor. Porque oficialmente isso é o casamento civil. E eu quero partilhar a vida com o Manel Pedro e não “obriga-lo” – e faz um gesto de “aspas” no ar com as duas mãos - a estar ao meu lado. Em relação à festa qualquer motivo serve é só combinar. Um sitio, a família e muito que comer e temos festas sem empenhar o futuro a ninguém.
- Mas sabes que se te casasses tinhas mais benefícios fiscais. – Opina a Ti’Lice enquanto pica o frango para o voltar a colocar a assar no forno. – E depois quando nascerem os miúdos é melhor.
“A sério!?” pensa Maria Aerdna para si, ironicamente.
- Tudo a seu tempo tia. Em relação aos benefícios fiscais, não vejo interesse. Colocando na balança a meia dúzia de trocos que talvez coloque ao bolso no escalão de descontos não compensam situações que apesar de não querermos podem ocorrer. E dou por exemplo: o preço e as chatices do divórcio, a divisão de heranças, e o ficar responsável por dividas que se calhar nem sabia que existiam.
- Ai que pessimista! – Responde a Fàfà. – Se toda a gente pensasse assim, ninguém se casaria. Eu e o Vítor temos plena confiança um no outro. Lá em casa não há tostão que saia sem que o outro saiba.
- O que os outros fazem é escolha deles. Mas não faria mal a muito boa gente parar para avaliar antes de se colocar a assinar papeis só por causa da festa. – E sentiu um fluxo agradável com a alfinetada que enviou, mesmo sem saber se a Fàfà a tinha recebido. – E hoje em dia já se fazem dividas sem precisar de ir aos tostões. O dinheiro virtual é uma realidade. Uma má realidade poderão dizer, mas é real.
- Sim essa coisa da “intramete” coloca-nos a todos em perigo. – Opina a sua tia.
- Como quase tudo na vida, tem prós e contras, mãe. A internet permite o acesso à informação, a pessoas que antes eram mantidas na ignorância. A informação deixou de estar centralizada e isso é bom para a liberdade. O problema é que precisamos estar atentos à qualidade dessa mesma informação e deixarmos de acreditar em tudo só porque sim. Aprender a questionar e a procurar respostas é essencial para navegar com o mínimo de risco. – Fala finalmente Maria Carlota. De personalidade mais reservada só costuma dar voz aos seus pensamentos quando se sente confortável. E a informática é a sua área.
- Concordo contigo, Tota. – Diz-lhe Maria Aerdna. – E como está a correr a experiência no emprego novo?
-Fui bem recebida, mas a competição é muita. Às vezes sinto que em vez de trabalharmos como uma equipa para um mesmo objectivo, andamos todos uns contar os outros. – Diz com ar de quem já pensou muito na questão. – Mas no geral gosto do que faço e sou respeitada.
“Não sei se fico feliz ou preocupada” pensa Maria Aerdna, mas responde:
- Fico feliz que te estejas a integrar. O mercado de trabalho não é fácil e desde que promoveram esta crise, creio que ficou pior.
- Um dia de cada vez. – Diz-lhe Maria Carlota.
Maria Aerdna resolve não continuar a pressionar a prima e vira a atenção para a tia.
- E então tia, anda aí a casar toda a gente, diga-me para quando um namorado novo?
- Com a minha idade? Já ninguém quer comer ossos da carne que outros usaram?
- Isso não é verdade. Andam por aí uns senhores muito simpáticos que adorariam afiar o dente. – Espicaça a Maria Aerdna.
- Já não tenho idade. Já aturei o que tinha de aturar.
- Que pessimista, tia.
- Ouvi dizer que o teu Manel Pedro ia ser promovido? – Desvia a conversa a Fàfà.
- Eu não ouvi nada. E só se o promoverem a passar mais tempo na empresa! – Responde Maria Aerdna, não querendo dar pormenores.
- Eu ouvi isso no supermercado, estava lá a mulher do Artur e ela é que me disse.
“O que é que a mulher do Artur, sabe? O que não sabe é estar calada. E ainda mete o marido em problemas por andar para aí a falar o que não deve. Olha que duas que se juntaram: a mulher do Artur e a minha prima. Nem sei como é que não seguiram jornalismo, tinham feito uma dupla de sucesso. Sabem até o que ainda não se inventou.” Ironiza Maria Aerdna sem verbalizar.
- Pois devias ter pedido mais pormenores. Parece estar melhor informada do que eu.
A prima não gosta muito da resposta e aproveita que o pudim está pronto a ir para o bolo, para ficar ocupada e não responder.
O silêncio impera durante um bocado.
- Olá! Olá! Gente! Como estão! Bonsoir à tout! – Chegou a loira da família, agarrem-se.