35 de vida em poucas linhas !
Como tantas outras crianças, esta que vos escreve deu os primeiros gritos de vida, na sala de um hospital de uma cidade ventosa e com cheiro a mar : Aveiro.
Mas foi uma aldeia próxima banhada pelo rio que a viu crescer : Angeja.
Antiga ponte de madeira do Rio Vouga. Imagem do site TEMPOEUROP.
Que importância tem o sítio onde nascemos e crescemos ?
São estas amostras do mundo, que nos dão as primeiras oportunidades de aprendermos a usar as nossas ferramentas e experimentá-las, de aprendermos a Ser no espaço físico, na interacção com os lugares, com as gentes, com as tradições.
O sítio que me viu crescer, era um espaço de gente do campo cuja proximidade à cidade marítima influenciava o rápido desenvolvimento social e onde praticamente toda a gente se conhecia. A gente deste espaço, apesar do quotidiano de trabalho rotineiro e com cheiro de terra e água, apreciava a sofisticação que aparecia na Tv que dava os primeiros passos na transmissão livre depois de décadas de censura, apreciava a sofisticação que vinha da cidade e dos emigrantes. O sítio onde cresci estava em mudança.
A minha família, responsável pela minha escala de valores e afectos, era na aparência uma família tradicional. Mas na essência, era cheia de pequenas particularidades que me foram preenchendo a alma.
Os meus pais eram um casal de aparência atípica para os padrões da época, apesar de levarem uma vida normal, onde o trabalho era prioridade do meu pai, e a família a prioridade da minha mãe. Vivíamos numa casa com quintal e animais, que partilhávamos com a minha avó materna.
Uma senhora independente que sempre tinha enfrentado a vida de queixo erguido apesar das mil dificuldades: desde a proximidade à prostituição, ao facto de ter sido mãe solteira.
Com tantas personalidades diferentes, a coabitação nem sempre era harmoniosa.
Aos cinco anos, recebemos novamente a cegonha que me ofereceu uma maninha. Ela iria sair ao molde da personalidade da família: tímida mas teimosa.
Cresci com muita vergonha entre duas famílias distintas: a materna mais cosmopolita com um melhor conhecimento do mundo devido à emigração e a paterna mais reservada e ligada ao trabalho do campo.
Eram dois mundos, num espaço em mudança para uma mente curiosa com personalidade tímida.
A entrada na escola alargou o leque de amigos que até aí eram os primos e os vizinhos próximos e também me ensinou muito de relações humanas e sociais. Passei a ter acesso a resposta para as mil perguntas que vagueavam na mente. Aprendi que se diz “vómito” e não “gómito” e outras tantas correcções. A escola mostrou-me o mundo para além das fronteiras do espaço que me viu crescer. Mas também me dificultou a vida, ao não respeitar a minha personalidade, ao invadir a minha integridade com reguadas e pimenta na língua.
A adolescência foi um período de quebra de correntes e de mil acontecimentos. Descobrir um novo espaço, sozinha e tímida pela primeira vez. Construir relações de amizade e de entreajuda. As primeiras paixões. E a constante sensação de não saber do que sou capaz e onde quero chegar, sem nunca perceber que nessa altura o importante não é chegar mas experimentar.
No meu caso o amor chegou ainda na adolescência, apesar de nessa altura ainda não o saber. Esse facto haveria de influenciar as minhas escolhas futuras.
O final da adolescência e entrada na vida adulta foi pontuado por vários acontecimentos com tanto de importante como de doloroso. O casamento dos meus pais que já deixou de ser casamento há muito dá os últimos fôlegos antes da ruptura completa. Isso acaba por influenciar a minha escolha na hora de decidir de continuar ou não a escola, acabando por decidir tentar a sorte no mercado de trabalho.
Essa pressão de decidir o futuro e uma série de acontecimentos que pautava o meu namoro acaba por ditar a ruptura, que durará por mais de um ano.
A entrada no mundo do trabalho, dá-se numa das épocas de maior solidão da minha existência. Esse mundo trará há minha vida novas amizades, e novas formas de amizade. O mundo do trabalho mostra-me uma mecânica do mundo onde a satisfação e a frustração andam de mãos atadas.
A minha vida começa a ganhar contornos, mas ainda não me conheço e não onde quero ir. Isso faz com que eu seja mais reactiva que produtiva. E começa a equação de equilíbrio entre o emprego, o amor, a família, a casa, os hobbies. Essa equação tão difícil de manter em equilíbrio, acaba por romper as barreiras do saudável e a saúde ressente-se.
Um período cuja sombra da morte foi real termina com um final não muito agradável mas com um período de validade muito maior: doença de crohn. Sabe a segunda oportunidade. Mas um corpo viciado em maus hábitos de higiene de vida leva o seu tempo a acertar o relógio. Mas consegue-se e tudo começa a marchar com naturalidade.
A esta altura já se aproxima os trinta, e já sei quem sou e começo a desenhar o quero. Os hábitos de toda a vida jogam contra mim, e mantêm-me na mesma posição sem alento para dar o salto que é preciso.
O destino vem em meu auxílio mais uma vez: chega a maternidade. A esta altura parece já que este feito não era para mim e é com surpresa que o recebo.
Este acontecimento inesperado, foi de extrema importância para finalmente sair da corrente do hábito e começar a Ser quem sou e seguir o meu caminho em direcção ao meu destino, sabendo onde quero finalmente chegar.
A responsabilidade de ter uma vida a meu cargo, física e emocional, durante o resto da minha existência, faz com que eu encare pela primeira vez o futuro como algo tangível e com necessidade de o poder controlar de alguma forma. Não sendo possível controlar o que não conhecemos, a única forma de tornar o futuro algo minimamente previsível é usar o que conhecemos, neste caso: EU.
Todos somos uma soma do que vivemos e como o vivemos.
A educação em todos os seus aspectos é crucial, para o desenvolvimento dos indivíduos que formam as sociedades.
É fundamental para os que sonham com um mundo melhor, apostarem em melhores formas de educação, seja ela escolar, familiar, cultural, etc…
Eu aos 35 tenho um sonho: Um mundo melhor onde o meu filho possa ser feliz.
E no que me resta de caminho, dedicar-me-ei a ajudar a que melhores formas de educação sejam discutidas e aplicadas para que se formem sociedades de indivíduos saudáveis que possam formar um Mundo de gente feliz.