Em meio século assistimos a 3 escolas diferentes…
A conversa de "caminho de escola" com o meu filho hoje foi sobre isto, as diferenças no mundo da criança que fui, da criança que foi a avó e o mundo a que ele assiste hoje.
Ele perguntou-me se na minha escola também exigiam o tipo de cachecol, porque aqui não permitem os cachecóis tradicionais com duas pontas por medo a que os pequenos os usem para se asfixiar uns aos outros.
Essa pergunta levou a todo um tema, nos cerca de 8 minutos de caminho a pé até à escola.
Contei-lhe que a escola a que ele assiste hoje é muito diferente da escola a que eu assistia e está muito longe da escola a que assistiu a avó dele.
Contei-lhe que o conhecimento trouxe muita coisa boa, mas veio também o medo e o excesso de regras.
A avó ia para a escola descalça muitas vezes. Comer era um luxo. E a agressividade adulta era uma constante. Mas ninguém lhe dizia o que vestir, podia brincar onde queria sem grandes preocupações.
Eu tive a sorte de nunca me ter faltado sapatos e comida. O que eu vestia não interessava a ninguém. Brincava na rua e onde queria. A agressividade no ensino ainda existia mas, já não era vista com bons olhos. Acho que tive a sorte de pertencer à geração de transição, onde os bens essenciais estavam minimamente assegurados, mas os medos ainda não se tinham instalados permitindo vivenciar uma verdadeira liberdade.
Ele chega a um mundo onde não falta nada, pelo contrário, tem acesso a coisas demais e supérfluas. São tantas coisas que querem ditar-te o que vestir, quando vestir e de que maneira. Avaliam-te por isso. Brincar na rua é coisa do passado. A rua há muito que deixou de ser pertença das pessoas e por consequência deixou de ser lugar de crianças, ela foi totalmente conquistada pelos carros, são imaginadas para os carros, projectadas para os carros, construídas para os carros. A agressividade nos locais de ensino passou a ser muito mal vista e é causa de processo penal e ainda bem. Um mundo tão cheio de medo, que existem regras para tudo. E até o tipo de cachecol é definido para evitar problemas, porque já ninguém tem tempo para explicar as causas e efeitos de certos comportamentos e preferem sempre o caminho de os evitar em vez de os prevenir deixando a criança consciente.
A conversa teve de ser curta. Tentei com alguns exemplos demonstrar-lhe que o mundo muda e que aquilo que eu vivi é diferente daquilo que ele vive. Que mudanças ocorrem constantemente. E que ele tem dois caminhos “aceitar” ou “procurar outro melhor”. Essa liberdade, ninguém lhe pode tirar.
Depois não deixei de reflectir e pensar: “Impressionante, como três gerações seguidas cresceu em situações totalmente diferentes.” Em menos de meio século temos três cenários completamente diferentes. Até dá uma certa vertigem, imaginar o que vem por aí!