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Aerdna no Mundo?

A definição da palavra "mundo", não é restrita. A minha preferida, engloba os vàrios conjuntos de realidades concretas e imaginadas. Aqui veremos o mundo pela escrita de Aerdna.

Aerdna no Mundo?

A definição da palavra "mundo", não é restrita. A minha preferida, engloba os vàrios conjuntos de realidades concretas e imaginadas. Aqui veremos o mundo pela escrita de Aerdna.

A qualidade da gestão empresarial e as baixas médicas....

Saiu um artigo de opinião, no Jornal Económico, que fala do problema sério que são as baixas médicas, pena que fale do assunto de uma forma quase leviana, porque mostra que desconhece o terreno. Eu entendo que recorrer ao cruzamento de dados numéricos é uma coisa interessante mas, neste caso não chega.

No artigo os patrões são-nos apresentados como vítimas, os trabalhadores são os malvados e o Estado assim como os médicos são uns inertes. Esta equação está errada e apenas quem conhece o terreno detecta o erro.

 

Tenho mais de 15 anos no terreno, nas mais variadas tarefas e escalas de hierarquia, e tive a sorte de trabalhar com equipas enormes, assim como trabalhei com equipas onde a falta de um resultava numa carga de trabalhos gigantesca para os outros continuarem a empurrar o barco para a frente.

 

O tecido empresarial português é essencialmente composto por pequenas e médias empresas e até aí estou de acordo com a autora. A falta de trabalhadores têm consequências produtivas nesse frágil tecido, é verdade, concordo. O que não estou de acordo é quanto às possíveis causas. O problema é essencialmente a forma como estas empresas são geridas.

As mais antigas ainda funcionam no sistema de hierarquia demasiado vincado, o que pode ser muito confortável para quem manda mas, é frustrante para quem precisa de resolver um problema com rapidez, porque tem de passar por burocracias e bolhas de silêncio a toda a hora. A maioria de agora, nasce atolada em créditos, e a prioridade dos gestores é fazer face aos números e esquecem-se das engrenagens da máquina que gerem, que são as pessoas.

A grande maioria dos patrões ainda não têm formação especializada para o cargo de gestão e costuma contratar empresas ou funcionários para tomar conta de questões mais específicas mas, essas pessoas não são autónomas, elas funcionam segundo os desígnios destes patrões.

E os gestores-patrão que já chegaram ao posto com formação adequada têm uma falha grave de formação: esta assenta muito sobre a questão financeira e muito pouco na questão humana.

Se a isto juntarmos o facto de as empresas preferirem contratar mão-de-obra mais jovem e sem experiência de vida, facto que atinge os cargos mais altos das hierarquias, temos o caldo pronto para o que acontece no terreno leve a grande maioria dos trabalhadores ao esgotamento.

 

Analisemos o topo da pirâmide empresarial e as suas falhas mais destacadas:

  • Colocam os trabalhadores a trabalhar sem equipamento adequado e muitas vezes em condições de segurança duvidosa;
  • Não apostam na manutenção e muito menos na prevenção, a não ser que sejam obrigados;
  • Fazem com que um trabalhador acumule funções de dois ou três (chamam-lhe polivalência, para que vejam que este abuso tem termo técnico e tudo, para parecer bem);
  • Como os trabalhadores são mal pagos, recorrem muitas vezes às horas extras para ganhar mais. E aqui existe um problema das duas partes, o patrão que ignora a organização do trabalho que gere e por isso tem gente a passear durante 8h que depois em duas ou três horas faz tudo e mais alguma coisa e como isso dá nas vistas ainda são os que o patrão promove (está mal). E o abuso do trabalhador chico-esperto que se aproveita da falha do gestor nesse sentido;
  • Como a maioria dos gestores não conhece o terreno que gere e faz questão de não descer a esse nível, faz uma péssima gestão das equipas levando a que estas tenham de trabalhar folgas e horas extras de uma forma exaustiva e pouco produtiva para a empresa;
  • E depois quem é mal pago e nunca é reconhecido, por mais altruísta que seja, um dia cansa-se de tentar uma vida melhor e acomoda-se a fazer o mínimo possível, ou os melhores pegam e saem dessas empresas e procuram melhores oportunidades (porque as há) e a empresa fica privada desses talentos prejudicando a sua produtividade e competitividade.

 

Analisemos o entorno social dos trabalhadores portugueses, hoje em dia.

Fazem o trabalho de dois ou três por um ordenado e vêm o patrão pedir colaboração com a lengalenga de sempre “isto está mau!”, apesar de o patrão mostrar sinais de riqueza depois de emitir tal conto.  

Para o patrão “está mau” mas, o trabalhador é que tem de chegar a casa e comer as sobras, porque o dinheiro não dá para mais (má alimentação provoca doenças e consequentes baixas). Ele é que chega a casa e vê o filho a dormir (passam dias sem que troque um “bom dia” com a criança, ele nem sabe se ele está a ser bem-educado ou não). Cobra da esposa a educação do filho e ela responde-lhe que no trabalho lhe dão a escolher entre o filho (a utilização dos direitos previstos na lei para um acompanhamento digno da educação dos filhos) ou o trabalho. Ficar sem aquele ordenado, nem sempre bem gerido porque o cansaço é tanto, depois de passar seis dias a operar uma monótona máquina e nem água poder beber, que quando se vai às compras qualquer porcaria serve.

Tanto cansaço, falta de rendimentos para uma vida digna e falta de tempo para as questões básicas emocionais do ser humano, os níveis de irritação aumentam, o ambiente em casa torna-se insuportável, as colegas no trabalho parecem inimigas, o patrão anda mais parecido com o bicho papão do que antes e a rupturas dão-se. Mas, antes de acontecer as rupturas, acontecem as tentativas de entender o que se passa e para isso o corpo obriga-nos a parar, é aí que as defesas do sistema imunitário descem e começamos a sentir-nos doentes até com o iogurte com que passamos o almoço, por falta de tempo e dinheiro para comer melhor. E não se pode esperar mais.

Com um cansaço atroz, decidimos que precisamos ver um médico, como o dinheiro não dá para nada, o médico de família é a escolha. Enfrentamos a complicada tarefa de levantar-nos de madrugada, para ter vez nas pouquíssimas consultas do dia. Enfrentamos horas de espera num lugar cheio de gente doente, a respirar o mesmo ar infestado que nós, depois de sermos atendidos por uns funcionários mal-educados ou tão exaustos como nós mesmos, para que o médico nos dê uma cura. Ele também não sabe bem o que fazer perante sintomas tão aleatórios mas, não arrisca (eu não arriscaria a saúde de ninguém porque a vida humana para mim tem valor) e diz-nos “fica três dias de baixa”. Parece que ouvimos a consciência do médico chiar com tanta incerteza! Aceitamos. Saímos e choramos.

 

Choramos, porque se nem o médico sabe o que temos, vai ser complicado curar-nos. O descanso é bem-vindo, mas a casa acumulou tanto trabalho que três dias não chegam para nos organizarmos sequer. Descansar é uma utopia! Serão três sem rendimentos, que vão fazer falta no mês seguinte. E este cansaço extremo começou a produzir um ciclo difícil de quebrar. Se antes era complicado viver com ordenado baixo, agora é uma acrobacia, com mais preocupações e mais despesas (com tratamentos, transportes para andar de médico em médico a fazer milhares de exames, etc…)

 

Vou pegar na questão da água, porque prova que muitas doenças que originam as baixas começam pelas ordens patronais. E falo nela porque aconteceu comigo.

Numa das maiores empresas da grande distribuição portuguesa, muitas vezes acusada, por exemplo, de explorar os produtores que por sua vez exploram os trabalhadores e que mais tarde estes acabam enredados nas malhas das baixas médicas por todos os motivos que antes expus, os seus “colaboradores” foram impedidos de beber água durante o período de trabalho. Isto ocorreu comigo na loja de Aveiro.

 

 

O director da loja emitiu o que eles chamavam “briefing” para todos os colaboradores assinarem, onde proibia a entrada de garrafas de água pessoais na área da loja e armazéns, que é onde a maioria trabalha. Porquê? Nunca explicou, porque Director que se preze manda, não explica. (Esta atitude é uma tremenda falta de respeito, mas a maioria aceita esta estupidez).

Eu deduzi que fosse para evitar que as pessoas fossem tantas vezes à casa de banho, mas essa foi a explicação que eu achei que poderia estar detrás de tamanha parvoeira.

Todos se queixaram em surdina, poucos agiram!

Para piorar a situação, o ar condicionado da loja foi desligado e só tinha honras de ser ligado quando aparecia alguma fiscalização.

A situação era horrível para todos. Eu conheço particularmente a situação das meninas e meninos da linha de caixa. Imaginem-se sentados rodeados de máquinas a emitir calor, porque os check-outs onde nós colocamos as compras para serem registadas têm computadores e outros equipamentos que depois se ligam a outro equipamento central. Vestidos com uma farda que nem de algodão era, tratava-se de um tecido sintético que fazia suar e não absorvia nada. E sem ar condicionado para gerar algum equilíbrio e muito menos água para hidratar e compensar aquela perda de líquidos.

Não é preciso explicar que as pessoas do escritório, onde trabalhavam os recursos humanos e o senhor Director, não foram colocados a trabalhar nestas condições.

Chegávamos ao fim do dia mais cansados que antes. Isso acabou por fazer os protestos em surdina subirem de tom. Então, saiu outro “briefing” a explicar que não tinham proibido as pessoas de beber água (uma tentativa de evitar uma acção legal depois de perceber o tamanho da estupidez) mas, para o fazer as pessoas teriam de ir aos balneários porque a proibição era apenas na loja e armazéns.

No papel, esta “treta” soa bem, mas no terreno não tinha efeitos práticos. A maioria das pessoas não podiam abandonar o posto de trabalho para ir ao balneário sem serem substituídas e trabalhavamos numa das empresas que mais lucros apresentam em Portugal com equipas recortadas ao mínimo possível (é por isso a minha teoria de que a proibição surgiu para não irmos à casa de banho e assim não termos de ser substituídos).

Imaginam e bem que perante tanta surdez na direcção da loja e por uma questão de sobrevivência humana, as pessoas começaram a sair da empresa e quando a situação financeira não permitia tais andanças, a solução passava por baixas recorrentes para tentar recuperar alguma saúde.

Ah! Dizem vocês! E o médico de trabalho não fez nada? NÃO. O médico do trabalho é uma “palhaçada” na maioria dos casos. Eles trabalham nas empresas porque a lei obriga mas, acabam sempre por fazer o que é melhor para a empresa, não sabem ou não podem equilibrar a balança.

Se não acreditam em mim, verifiquem os dados das baixas naquela loja depois de 2010 e vão ver a curva ascendente.

 

Isto infelizmente ocorre em muitas empresas. Atrevo-me a dizer que ocorre na maioria.

Não podemos negar que existem trabalhadores que abusam (e não é só em Portugal como alguns gritam) mas, sabemos que as juntas médicas falham e muito.

Mas, o problema do mercado de trabalho português está mais na gestão de má qualidade no que na prestação de serviço dos trabalhadores. E as baixas são um reflexo disso mesmo. A má gestão não se verifica apenas neste ponto humano, apresenta-se também na competitividade. As empresas portuguesas são pouco produtivas na sua generalidade, porque trabalham mal e isso é a culpa dos gestores.

 

Enquanto na maioria das empresas alemãs, por exemplo, um trabalhador conta com o equipamento adequado e boa renumeração que o mantém motivado, em Portugal o trabalhador nem conta com o equipamento adequado e em segurança, a renumeração do seu serviço é vergonhosa e nem com gestores que saibam estar atentos a formas de motivação mais baratas, como aquela pancadinha no ombro seguida de um “obrigado”. Em Portugal, o gestor diz coisas como “isto está mau” apesar de sair para ir fazer férias ao Algarve, no mínimo. E em vez de reconhecer o trabalho prestado ele diz “aqui faz-se o que eu mando”. O trabalhador nem pensa duas vezes “pois que assim seja”.

 

(Conheço uma empresa que diz não poder oferecer aumentos, porque “isto está mau” mas gasta fortunas com pessoas de um lado para o outro em viagens sem produtividade nenhuma. O caso mais flagrante foi o de mandar um colaborador a França para colar uns cartazes numa feira, quando os mesmos tinham podido seguir por correio e serem aplicados pelos colaboradores que estavam là a fazer a montagem! Um errito ligeiro, não?)

 

Depois os maus resultados são pagos por todos, porque os impostos são usados para dar benesses a empresas que não provaram sustentabilidade ou cujos gestores já deram provas de má qualidade, são usados para pagar baixas médicas que podiam ser evitadas em ambientes de trabalho menos hostis, etc…

 

Podia contar muito mais mas, acho que ficou ilustrado o que eu queria dizer.

 

Nem os patrões são meras vitimas, nem os trabalhadores meros malvados e que apesar de existir legislação que favorece e muito o patronato, os maus gestores nunca a vão saber usar de forma adequada por falta de talento, por isso o que Portugal precisa é apostar na boa formação de gestores para que entendam o que é um negócio na sua Globalidade e não conheçam apenas a tabela que lhe diz “aqui entra dinheiro e aqui sai”. Se não entenderem isso, tudo o que entra vai sair e não propriamente pelo que eles estariam à espera.

 

Vou dar um exemplo caseiro que ocorreu comigo. A electricidade é muito cara e por isso resolvemos poupar. Os aquecedores foram desligados a maioria do tempo. Resultado: a factura não mudou muito (não sei como é que eles fazem!!!!). E depois os 100€ que esperávamos poupar com a medida foram directos para o médico e tratamentos. Ficamos os três doentes, cada consulta custou 23€, mais o dia perdido no emprego e os medicamentos, acho que ultrapassamos o valor! Não repetimos a proeza e não voltamos a ficar doentes!

Falo deste exemplo simples para mostrar que as coisas se ligam umas às outras e que até para pensar em poupar é preciso antever e perceber as consequências, porque o que parece uma poupança no imediato pode resultar no agravamento das despesas! Fica para reflexão geral!

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