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Aerdna no Mundo?

A definição da palavra "mundo", não é restrita. A minha preferida, engloba os vàrios conjuntos de realidades concretas e imaginadas. Aqui veremos o mundo pela escrita de Aerdna.

Aerdna no Mundo?

A definição da palavra "mundo", não é restrita. A minha preferida, engloba os vàrios conjuntos de realidades concretas e imaginadas. Aqui veremos o mundo pela escrita de Aerdna.

Small talk, de que falam os portugueses

Depois de cerca de uma década de ausência voltei a Portugal há uns meses. Esse afastamento, essa saída da "ilha" de que nos falou Saramago, permitiu-me olhar para alguns detalhes com outro reparo. Uma das coisas que mais me tem chamado à atenção é o assunto preferido das conversas entre portugueses. Na Inglaterra as conversas incluem o estado da meteorologia, na França arranjam sempre uma forma de falar de comida, e nós, os portugueses?

Mastering-small-talk.png

Os meus ouvidos têm identificado um padrão: conversa sim, conversa sim, conversa não, estamos a falar de doenças. A conversa típica portuguesa acaba sempre com a enumeração das doenças e tratamentos sofridos por algum dos intervenientes. E este comportamento é transversal a todos os grupos. Pelo menos, a todos os que eu pude identificar!

Cruzamos-nos apressados com a vizinha do quarto esquerdo, sorrimos, dizemos "bom dia" e pomos a pergunta "tudo bem?", por educação. O habitual é receber um "tudo bem." ,que não casa com a expressão facial. Enquanto, a boca profere a típica resposta à pergunta, em que poucos se importam com a resposta, a cara grita "ai! se eu te contasse". Um dia sobra um pouco de tempo e ela, realmente, conta as maleitas, numa anamnese pormenorizada. O mesmo ocorre no nosso ambiente de trabalho: chegamos, cumprimentamos as colegas com a fórmula tradicional e lá está a expressão facial aos berros "se tivéssemos tempo, eu contava-te". Vamos à sala da chefe, uma pessoa empoderada, que parece estar em todo o lado, o tempo todo, até que numa pausa começa: "não durmo uma noite inteira há anos; tomo vitaminas para aguentar o ritmo; apareceu-me uma alergia; o meu estômago está uma lástima; ..." - e ficamos a pensar "nem os super heróis escapam aos males do corpo".

Com este texto não pretendo minimizar a dor de ninguém, porém, acredito que é necessário prestar atenção a isto e começar a questionar-nos "o porquê". Na cafetaria, na sala de espera, no comboio; onde dois portugueses se cruzarem há uma grande probabilidade de adivinhar o assunto da conversa, mesmo sem ouvir uma palavra trocada, porque o padrão está aí para quem quiser prestar atenção.

  • O que é que isso diz de nós e da nossa sociedade?
  • Somos um povo de hipocondríaco?
  • Ou é a forma como nos organizamos socialmente que nos adoece?

Alguma causa tem de existir. As doenças costumam ter explicação, mesmo que ainda não a conheçamos. "São coisas da cabeça", podemos ser levados a dizer, contudo, até as "coisas da cabeça" têm causas e, muitas vezes, cura.

Não tenho uma explicação para este fenómeno, mas acredito que alguns vícios sociais/culturais contribuem, e muito!, para este nosso retrato falado do nosso povo:

  • a mania de que "há sempre alguém pior que nós" como forma de não nos responsabilizarmos pelo trabalho que dá ficarmos melhor,
  • esse hábito de assinar um contrato de trabalho e dar gratuitamente a propriedade total sobre o nosso tempo ao patrão, que passa a dispor como lhe der na gana de toda a nossa vida,
  • achar que dormir é um luxo dos preguiçosos e, por isso, não se dorme, nem se deixa dormir,
  • outro grande luxo, que erradamente desprezamos, é o de organizar horários para refeições, 
  • não nos podemos esquecer de tudo aquilo que fazemos sem limite admissível: beber café como se não houvesse amanhã, beber "loiras" até ao vómito para não parecer betinho, dar-lhe à aguardente logo de manhãzinha para anestesiar o dia que já sabemos será uma "grandessíssima porcaria",
  • achar que salário é um gesto solidário do patrão e por esse motivo devemos agradecer o pouco que cair na conta no final do mês,
  • para depois perder noites de sono a tentar decidir que contas se pagam este mês e que contas se deixarão acumular até ao próximo subsídio ou esmola governamental,
  • e não podemos esquecer essa sensação de insegurança que se nos vai infiltrando na alma quando percebemos que não temos coragem para fazer nada, enquanto, nos vão destruindo os pilares sociais: da saúde, da educação e da justiça,
  • este último, talvez um dos mais graves, porque é impossível não desesperar de ansiedade quando percebemos que não contamos com nada para nos defender, a não ser que: se alimentem umas quantas cunhas se houver dinheiro, ou se houver muito, mas mesmo muito dinheiro calarmos qualquer processo contra nós.

Talvez a explicação esteja entre essas situações descritas, talvez existam outras para acrescentar, ou talvez não seja nenhuma delas.

O que me parece realmente preocupante é: esse ser o nosso tópico preferido de conversa e como nos aplicamos para detalhar cada sofrido pormenor, que é imediatamente desvalorizado pelo interlocutor, que com certeza tem maleitas piores para descrever, assim que tiver oportunidade. 

De uma coisa eu estou certa: este não era o país que eu esperava encontrar na minha volta às raízes. Não sei se fomos sempre assim e a distância o apagou da minha memória, ou se realmente a nossa situação piorou, contudo, preferia a imagem que carregava ao longe "um povo de brandos costumes que come bem sem ter de estar sempre a falar nisso e é abençoado com sol ao ponto de provocar inveja nos mais ricos do continente". É uma pena que essa imagem se desvaneceu entre descrições de depressão, cancros variados e doenças digestivas para todos os gostos.

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