Aquele momento que podemos fazer diferente, mas optamos pelo mesmo de sempre…
Este ano na Vila foram colocados a votos pela Câmara Municipal vários projectos. Chama-se a este acto democrático “Orçamento participativo”.
O método era simples: aceder à página, conhecer os projectos e dar o nosso voto aos 5 que nos parecessem mais importantes ou melhores. A votação estava aberta a todos os residentes e não residentes para que os emigrantes, simpatizantes ou possíveis investidores também pudessem participar. Confesso que não sei como é que as pessoas que não têm acesso à internet fizeram para participar, se é que foi criada alguma forma de elas também o fazerem.
A verdade é que a ideia de abrir a votação a todos é excelente e faz com que as pessoas comecem a perceber que a vida em comunidade é mais do que ir às urnas de “x” em “x” anos. Poder participar nestas decisões que nos tocam de tão perto acorda-nos para a responsabilidade de sermos cidadãos activos e não meros espectadores obrigados a pagar bilhetes para sustentar o espectáculo (impostos!). A forma como a votação foi colocada à disposição dos cidadãos precisa de ajustes, mas vai no bom caminho.
Foram a votos 38 projectos apresentados pelos munícipes e previamente analisados pela Câmara Municipal da Vila.
Estavam a votos projectos como:
- Criação de um albergue municipal para animais errantes;
- Desenvolvimento de uma Horta Comunitária;
- Construções de parques infantis e geriátricos que poderiam desenvolver o contacto entre as gentes de várias gerações que é sempre tão enriquecedor;
- Criação de uma rede de transportes urbanos no município, que seria muito útil para estudantes, trabalhadores, pessoas idosas, que serviria para alimentar o comércio dos centros das vilas e ajudar o ambiente eliminando parte da utilização diária dos carros particulares;
- Colocação de painéis informativos nas freguesias de forma a manter os munícipes informados das actividades do concelho (onde vivo actualmente é de muita utilidade, todos os dias quando levo o pequeno à escola fico a par das festas, dos orçamentos, das obras, dos cortes de energia, etc… que ocorrem na vila);
- Requalificação de espaços do Concelho;
- Restauração de espaços e obras importantes para o Concelho;
- Embelezamento de outros tantos espaços;
- …
Como podem ver, foram colocados a votos projectos muito interessantes e de utilidade para o dia-a-dia dos munícipes da Vila e como seria de esperar também foram colocados a votos projectos que não são assim tão importantes para a vida dos munícipes, mas para a carteira empresarial de alguns.
Quando é que esta ideia fantástica dá para o torto?
No exacto momento em que as pessoas não se informam correctamente antes de tomar a decisão de votar.
Os munícipes com projectos a votos fizeram as suas campanhas de divulgação, principalmente nas redes sociais. Até aqui excelente, porque quanto mais divulgação mais possibilidades de votos o que se traduz em mais pessoas a participar activamente na vida Municipal e comunitária.
O problema é quando se escolhem coisas importantes para todos por simpatias pessoais ou se fazem escolhas sem pensar muito bem na sua utilidade e no real impacto na vida de todos.
Desta primeira experiência saíram vencedores 3 projectos que terão de ser executados pela Câmara Municipal num prazo de 2 anos e eles foram:
- A construção do albergue municipal para animais errantes no Concelho (Canil e Gatil que ganhou com vantagem);
- O arranjo urbanístico de uma avenida com pouquíssimo movimento;
- E a construção e embelezamento de uma rotunda, também numa estrada com movimento muito baixo.
Foram mais de 8000 votos que podiam ter contribuído para a resolução de problemas do Concelho como:
- A substituição de telhas que contêm amianto, comprovadamente cancerígeno que se encontram a cobrir a área do mercado da Vila;
- Ter uma rede de transportes públicos que facilitasse a movimentação das pessoas dentro do concelho e assim também levasse as pessoas para perto do comércio alimentando a economia interna (começava-se com alguns horários chave e com o tempo e divulgação alargavam-se);
- Espaços públicos que permitissem a convivência em segurança das várias gerações de munícipes e onde o comércio local se pudesse estabelecer no perímetro;
- Uma horta comunitária que poderia alimentar os mais pobres, contribuir para a saúde dos munícipes que poderiam recorrer a alimentos mais saudáveis, etc…
- …
Poderiam ter resolvido estes problemas e até mais, mas o que é que sai vencedor desta votação?
Um albergue municipal para animais errantes e muito bem. Os animais errantes são realmente um problema em crescimento com a crise económica a atingir cada vez mais famílias e o antigo Canil já não tinha condições para continuar a responder adequadamente ao problema. PONTO POSITIVO para o vencedor, apesar de não ser a solução do problema e tratar-se apenas de uma forma de diminuir os seus efeitos. A solução passa pela educação das pessoas para uma adoptação responsável dos seus animais de companhia e pelo controlo destas populações.
Mas, os outros dois projectos não me parecem de forma alguma prioritários para um povo com cada vez mais carências. Reabilitar uma avenida sem movimento que é apenas usada em Agosto por volta da festa da Vila, quando existem estradas mais utilizadas diariamente com o pavimento deteriorado não é sinal de bom senso.
Criar mais uma rotunda numa altura em que seria mais útil ter transportes públicos de qualidade ou reabilitar instalações públicas existentes e degradadas, também não me parece ser uma boa opção.
São opiniões, esta é a minha e pelos vistos não é partilhada pela maioria.
Hoje de manhã caminhava pela Vila onde vivo actualmente e observava a primavera a chegar e pensei “Isto é bonito, esta Vila é bonita. A natureza traz-lhe beleza sem cobrar.”
Os portugueses também têm direito a ter as suas Vilas bonitas. Isso chama turismo (que acaba por complicar a vida aos habitantes da zona, mas esse é outro problema a discutir noutra altura).
A diferença é que esta Vila onde vivo é bonita com os seus edifícios antigos que vão sofrendo manutenções para que se mantenham úteis com o passar do tempo, as suas rotundas pintadas ou marcadas no chão (sem grandes embelezamentos, apenas práticas) e os seus jardins, muitos jardins particulares incentivados pelos concursos realizados pelas Câmaras da zona.
Esta Vila onde vivo é bonita sem grandes obras e com a contribuição de todos.
A Câmara desta Vila onde vivo tem dinheiro para uma revista trimestral que mantem os habitantes informados das actividades da comunidade, tais como: jogos desportivos, orçamentos, obras, festas, etc… Actividades que atraem visitantes dos arredores e animam o comércio local. Conta com mini-autocarros que levam as pessoas, principalmente as mais idosas, aos principais sítios da Vila, tais como: médicos, supermercados, correios, etc…
Existe da parte da Câmara um diálogo aberto com os habitantes e estes encontram-se melhor informados do que se passa e talvez por isso façam melhores escolhas de onde gastar o dinheiro de todos.
Muitas vezes penso e não entendo como é que dentro do espaço Europeu existem divergências económicas tão grandes e depois vejo as pessoas optarem por embelezarem espaços públicos em vez de criar estruturas que alimentem a economia e favoreçam o desenvolvimento local e tudo começa a fazer sentido.
Espero que com o tempo as pessoas aprendam a informar-se, para fazerem melhores escolhas de forma a ajudarem-se a si mesmas no dia-a-dia, em vez de caírem sempre no erro de ter o exterior “bonito” e o interior cheio de “fome” e “dívidas”. Espero que no próximo Orçamento Participativo os cidadãos saibam escolher melhor o que realmente pode ter utilidade para o seu futuro.
Um Orçamento Participativo anula aquele argumento adorado pelos portugueses “Estamos mal, porque foram os políticos, aqueles malandros, que nos levaram a essa situação” e substitui essa desculpa pela responsabilidade compartida de “Se não estamos melhor é por que não apresentamos melhores projectos e não votamos mais conscientes”.
Escolha a escolha de projectos locais bem-feita talvez se possa recuperar o nosso país: Portugal.
PS: Vou adorar ir de férias à Terra e ver tudo muito bonito, mas isso não me acalma a angústia de saber que existem pessoas que querem ir trabalhar e não têm transporte, que existem velhinhos cada vez mais isolados por não puderem despender o dinheiro do táxi para ir à praça tomar um galão e falar um bocadinho, por perceber que se está a criar uma nova geração de crianças fantasma que não estão a ser devidamente socializadas e etc… Não acho que a beleza de uma rotunda vai compensar a angústia que sinto por ver que o meu país não consegue investir num futuro sustentável!
Imagem do site "portugalparticipa".