Aumento do IUC: pobres a financiar as viagens dos mais ricos!
Começo com uma pergunta: Quem financiou a construção das estradas que hoje dão lucro a um seleto grupo de acionistas através do pagamento de portagens?
A resposta é: os contribuintes, que é o mesmo que dizer que os portugueses abdicaram de outros investimentos em educação, segurança ou saúde para colocar esse dinheiro na construção de uma rede de estradas que fosse útil a todos.
Esse devia ser o princípio: se se usa o dinheiro de todos, o investimento deve servir a todos.
Porém, parece que essa regra aparentemente tão simples até faz sentido nos países nórdicos, mas não em Portugal.
Então, nós pagámos a rede rodoviária para depois o Governo entregar a nossa fonte de livre circulação a um grupo de acionistas que tem lucrado obscenamente com o fruto do trabalho de Todos os cidadãos. Insatisfeitos com a oportunidade de explorar um bem público para benefício próprio, ainda conseguiram que o Governo lhes colocasse à disposição a nossa máquina fiscal, paga pelo dinheiro de Todos, para conseguir cobrar as portagens e as multas que irão diretamente para os bolsos desses empresários. (Imaginem que a moda pega e o supermercado, o taxista, ou o senhorio também começam a usar a nossa máquina fiscal para garantirem o seu lucro?)
Como resultado, apesar de ter visto os seus impostos usados para construir um bem que agora não pode usar por falta de rendimentos, e ainda ter de assistir ao desmantelamento programado do SNS e sistema educativo, o cidadão ainda vai ter de financiar um desconto, que se reflete nos lucros de uns poucos privados.
Se estão atentos às notícias, devem ter visto que o Governo quer aumentar o IUC, numa época onde se publicam excedentes fiscais ao ponto de se discutirem baixas de impostos. Se havia dúvidas que essas baixas de impostos só beneficiam as empresas, ou quem já tem muito dinheiro, esta notícia vai aclarando o panorama.
Consta que essa subida do IUC será paga pelos proprietários de veículos mais antigos, para compensar as perdas com o desconto de 30% nas portagens (que prejudicou esses empresários que lucram com o que é de Todos).
Pensemos: O Governo pretende que os proprietários de veículos mais antigos financiem um desconto a um bem ao qual eles não se podem dar ao luxo de ter acesso. As pessoas não têm carros antigos por escolha (tirando os que perceberam que a mecânica destes é melhor do que a dos atuais). As pessoas têm carros antigos por dois motivos: falta de rendimento para comprar algo mais atual e falta de uma rede de transportes públicos eficaz. Se não têm dinheiro, essas pessoas não usam auto-estradas com portagem e menos scut's (a não ser de forma pontual, em que não têm alternativa).
Agora, tentemos responder: É justo fazer essas pessoas pagar o financiamento das viagens dos mais ricos e dos lucros desses que lucram com os bens alheios, sabendo que estes passam a vida a decidir entre colocar comida na mesa ou colocar gasolina no carro? E não estamos a falar de preguiçosos, falamos de pessoas que se não colocam gasolina no carro não podem ir trabalhar para colocar mais gasolina no carro e no intervalo matar a fome. Falamos de pessoas que trabalham a semana inteira e muitas vezes ainda emendam um part-time ao fim do dia ou ao fim de semana. Estamos a falar de gente como eu e tu, que por mais que trabalhemos, que por mais que nos tentem convencer que é tudo uma questão de meritocracia, na realidade nos mantêm presos à mesma realidade fazendo-nos financiar a boa vida desses que já têm, que já nasceram tendo.
Analisando o que tem ocorrido no país: contribuintes a pagar a má gestão da TAP, contribuintes a pagar a má gestão da Banca, contribuintes as pagar corrupção na Banca, contribuintes a pagar o lucro dos hospitais privados e vendo o desmantelamento programado do SNS para que eles continuem a lucrar muito, contribuintes a pagar festas milionárias de entidades privadas, contribuintes a pagar a infra-estrutura das comunicações para que depois os franceses da Altice lucrem com ela, contribuintes a pagar a infra-estrutura dos CTT para depois os chineses lucrem com ela, etc. A lista de coisas que os contribuintes portugueses pagam sem terem consciência e sem usufruir a favor do lucro particular é imensa.
Depois de analisar tudo isto, ainda acham que vivem numa democracia cuja voz é do povo? Se responderam afirmativamente a esta questão, eu terei de vos dizer que não concordo. Talvez a minha opinião não seja importante, mas a qualidade de vida de todos nós devia ser. Eu não me sinto cidadã de uma democracia, pelo contrário, cada vez mais sinto que vivo num feudo e que todo o fruto do meu trabalho deve ser entregue ao "meu senhor", mesmo que eu nem saiba bem quem é ele, e que tenha plena consciência de eu não lhe importo. Desta forma, apesar de sentir que o nosso país precisa reter talento, não posso condenar o meu filho a esta realidade, sabendo que há outras mais justas (mesmo que imperfeitas).
Não aconselho nenhum jovem a reter-se nesta nação que lhe retirará o produto do seu esforço para o dar àquele grupo seleto que move os fios dos títeres que nós fingimos que pomos nos cargos governamentais. Não aconselho nenhum cidadão a ficar nesta terra que sufocará todos os seus esforços por uma vida digna, em favor desses que já nasceram com a dignidade comprada.
Assim que, mais uma vez, o Governo tirará aos pobres para dar aos ricos, desta vez através do agravamento do IUC dos proprietários desses veículos mais antigos. E o povo? Esse permanecerá calado, cansado e retido na sua rodinha de amestrado para tentar pagar as contas que lhe inventam. Talvez um dia perceba que não vale a pena escolher entre carne ou salsichas para poupar um pouco, porque tudo o que conseguir colocar de lado o Governo fará o favor de inventar impostos para o retirar e o manter na mesma posição onde estava antes de ter escolhido as salsichas para poupar.
Algo devia ser feito, pena que passemos a vida a criticar os movimentos de mudança, em vez dos criadores dos problemas!