Críticas de borla
Há uma característica portuguesa que antigamente nem sabia que me incomodava, mas agora consigo identificá-la e parece-me que devíamos repensar se a queremos ou não manter: essa mania de criticar o que ninguém perguntou como se fosse brincadeira!
Vou-vos contar um episódio recente:
Fui com o meu filho de 13 anos a uma consulta de otorrinolaringologia numa famosa clínica aveirense, e fomos recebidos por um médico na casa dos 40 anos. Referir a idade do médico é importante, para que não se justifique o ato com aquela história de que noutros tempos era mesmo assim.
O meu filho está no processo de adolescência, de descoberta de si mesmo, de encontro com a sua imagem e essência, o que o leva a fazer experiências como deve ocorrer com qualquer jovem saudável. Como foi educado em França, porque passamos aí a maior parte do seu tempo de vida, ele tem uma liberdade para brincar com a sua imagem que não se vê com frequência em Portugal, onde todos tendem a seguir um só padrão. Então, estamos no momento de deixar crescer o cabelo e usar uma fita branca, muito ao estilo dos personagens de Mangas, que são muito populares em França.
O médico recebeu-nos educadamente, ouviu o que tínhamos a dizer já interrompendo com opiniões o que me parece pouco produtivo para a realização de um bom diagnóstico. Examinou o meu filho ignorando os ouvidos, porque provavelmente já tinha o resultado feito na sua cabeça sem verificar se realmente existem anomalias. Isso disparou um alarme na minha cabeça que disse «qualquer receita ou exame ditado aqui será ignorado e outro especialista será procurado, mesmo perdendo a pequena fortuna que este senhor vai cobrar por este não serviço».
Porém, o auge desta consulta foi quando este senhor doutor se vira para um jovem de 13 anos e sem que ninguém lhe tenha perguntado nada lhe diz: «sabes que daqui a uns anos quando vires as tuas fotos com essa fita te vais sentir envergonhado?»
Imediatamente observei o meu filho para ver como o sorriso dele morria. O médico sentou-se na secretária ao computador como se nada tivesse ocorrido, a incómodo visível do meu filho nem cócegas lhe fez. Assim que quando ele me disse o suposto tratamento a seguir eu não resisti e comentei com a melhor disposição que encontrei : «o senhor doutor vai salvar a vida do meu filho, mas acabou de lhe matar a autoestima depois de nos ter dito que a ansiedade era um fator importante para a baixa de imunidade que parece que ele está a enfrentar.»
À medida que eu ia falando, o senhor doutor foi ficando com um sorriso amarelado, porque ele parece nem se ter dado conta do impacto do seu comentário fora de lugar, numa época que tanto se fala sobre evitar falar do aspeto físico dos outros a não ser que te perguntem.
Ele tentou amenizar a situação dizendo que também tinha passado por aquela situação e que eu provavelmente também teria fotos da minha adolescência das quais não me orgulhava. Limitei-me a sorrir, o meu filho igual, por pura educação. Saímos e acabou.
Este episódio acaba por ser simbólico, afinal estamos a falar de uma pessoa relativamente jovem, com uma profissão que justifica um pouco mais de conhecimento e empatia para não cair nestas situações. Contudo, o este tipo de comportamento é transversal à maior parte da população, com mais incidência nos mais velhos, o que até podemos entender, mas que se estende à camada mais jovem e informada que já não devia estar a repetir este padrão.
Tanta discussão nas redes, nas escolas, nos principais meios de comunicação e ainda não entendemos que falar do aspeto do outro, com quem não temos confiança, está errado? Até se pode aceitar quando estamos a falar de uma forma geral, seja para discutir o assunto ou para fazer humor, mas nunca no cara a cara, a não ser que haja muita confiança entre as partes e nos tenha sido perguntado. Se entrarmos na casa de alguém sem sermos convidados estamos a ser mal-educados, e até podemos estar a cometer um crime, então porque nos achamos no direito de invadir o sentido estético alheio sem um convite?
Podemos aprender algo dos franceses, que são de uma arrogância por vezes insuportável, mas mestres no trato com o outro : quando um francês encontra outro ser humano, seja da sua mesma nacionalidade ou não, ele vai dizer «bonjour», vai apertar a mão ou dar os clássicos beijinhos, que variam em número de acordo com a região do país, e durante esse rápido processo examinar o que de bonito podem destacar da pessoa para tecer um educado elogio, então vamos ouvir um : «que lindo cabelo!»; «gosto dos seus sapatos»; «o seu sotaque é muito interessante»: ou algo do género. Nunca, em mais de uma década, ouvi algo desagradável. A criança francesa é educada desde o berço para repetir este gesto empático nas suas interações sociais.
Por aqui, em território luso, agora que estou de volta e passei a ter este termo de comparação, tenho recordado as vezes que ouvi «que perninhas tão magras» ou «esse cabelo parece um ninho de andorinha», quase nunca algo agradável. O meu filho também ouve essas coisas desde que chegámos, mas de um adulto formado e com lugar de fala na medicina foi a primeira vez, por isso, esta necessidade de refletir.
O português tem uma autoestima baixa, sofremos bastante da síndrome do impostor e talvez isso explique a razão de nos submetermos tanto a abusos patronais, que os povos nórdicos jamais aceitariam, como por exemplo: aceitar salários baixos ou tarefas que não foram contratadas e por isso não estão a ser pagas. Se calhar esta nosso jeito de ser críticos com o que não devíamos sequer mencionar sem sermos consultados esteja na origem deste fenómeno. Só se calhar! Mas fica a dica para algum sociólogo interessado pesquisar ou para que algum educador repensar as suas atitudes que servirão de exemplo para a conduta dos mais jovens no futuro. Elogiar não dói nada e cria laços, criticar magoa e deixa marcas não visíveis cujas consequências podem ser devastadoras não só para o indivíduo, como para a sociedade.
Semear elogios, devia ser a premissa!