Os portugueses e a greve...
Começo a tentar perceber nas redes o que se passa, porque estou longe e, deparo-me com algo que sempre me surpreendeu e até podemos dizer « me enerva » : os criticos da greve.
Apenas vêem o seu prato e não conseguem ver a mesa toda.
Durante anos trabalhei num lugar onde todos os dias, insisto, todos os dias ouvia gente lamentar-se, queixar-se e até chorar porque os ordenados não dão para fazer frente à vida, porque trabalham tantas horas que a familia fica para tràs, que os filhos crescem sem se aperceberem, que os maridos e as maridas se vão porque se é para viver em solidão fazem-no melhor sozinhos e etc... Todos os dias via gente que não se sentia bem com as condições laborais que lhes tocava. Mas ...
Quando alguém tenta mostrar e lutar por melhorias, da ùnica forma que existe até agora, através da greve, em vez de aproveitarem a valentia, saem a criticar. Sabem realmente do que se trata ?
Para os empresàrios, estas criticas aos valentes que lutam por melhores condiçãos, são cantigas de amor. Estas pessoas, estão a gritar a plenos pulmões : escravizem-me que não me importo.
Não têm que participar, mas pensem um pouco e tentem abster-se de emitir opiniões que tiram força à luta e acabam por ser um incentivo aos patrões para continuarem com abusos.
Este mundo é gerido a dinheiro. Quer gostemos, quer não, é assim ! Mas o dinheiro tem esta caracteristica : ele limita a liberdade de quem o deseja. Mas, limita nos dois sentidos : tanto para o assalariado que por um ordenado se escraviza, como para o patrão que por dinheiro vende até a mãe.
E a greve muitas vezes é a receita para equilibrar este jogo. O patrão para ter dinheiro precisa produzir algo (sim, na maioria das vezes estão agarrados ao poder apenas por cunhas, mas até elas precisam produzir para terem poder). E para o patrão poder produzir, precisa do empregado. E o poder aparentemente encontra-se na mão do patrão. Mas no dia em que não exista produção, não se gera dinheiro e o poder desaparece.
Na realidade, o poder não se encontra na mão do patrão e sim na mão de quem o alimenta, que nesse caso é o empregado. Sem empregados dispostos a produzir o patrão não é nada.
E a sociedade precisa desse jogo de poder para funcionar. Lembrar aos patrões onde fica a linha muitas vezes é a forma ao nosso alcance para abrir uma porta de negociação e assim melhorar a nossa forma de vida, a nossa existência.
Mas, em Portugal parece que não se entende isso !
Tudo bem que é preciso alimentar as familias, mas pensem nas condições em que os vossos filhos um dia entrarão no mercado de trabalho : querem que continuem essa escravidão ?
« Não mas eu trabalho, porque o meu filho vai ter um canudo e ser doutor. » Creio que da forma como tudo se tornou um «business», educação incluida, e com tantos formados sem puderem exercer, ninguém continua a acreditar nessa treta. Pois não ?
Não estou a dizer que não se deve estudar, estou a dizer que isso não é garantia de nada.
Então temos de sair e garantir-nos. E se a greve, se torna a forma de nos ouvirem, então que seja. Sem medo!
« Mas a economia precisa que produzamos para que o barco não se afunde de vez. E se andamos a brincar às greves nunca vamos a lado nenhum. » dirão alguns. Eu aposto que esta frase foi dita pela primeira vez por um patrão, que partiu do principio que somos todos parvos e que o mundo ainda é compartido por fronteiras e que ninguém vê o que se passa do outro lado. Por algo os trmp's desta vida de repente se lembraram de dar tanta importância às fronteiras!!
E o que é que se passa do outro lado ?
O que se passa é que outras nações, independentemente do tamanho, dos recursos naturais, ou da localização geogràfica conseguem pagar mais por menos produção e menos horas de trabalho. Não o li, estou a vivê-lo!
E então como é que o Luxemburgo tão pequeno paga mais ? A França com trabalhadores cheios de exigências e direitos paga mais ? A Alemanha destruida pela guerra paga mais ? Etc...
Para que estas nações possam pagar mais, no modelo de economia actual (e não tão actual assim), outras têm de ser de escravizadas. Tão simples como isso.
E é por isso também, que desconfio, que as guerras do médio oriente nunca vão terminar ou as nações africanas prosperar, porque sempre vão existir nações a precisar de explorar os outros para viverem como querem.
Este modelo tem milénios, não se vai mudar assim de um dia para o outro, mas se pudermos não engolir a cantiga de que a economia depende da nossa escravidão e lutarmos por um espaço de negociação onde podamos exigir melhorias no nosso sistema de vida, talvez aos poucos esta porcaria de modelo comece a mudar e a tornar-se mais justo.
Se não querem lutar, têm todo o meu respeito, mas antes de sair a criticar quem tenta, pensem por favor !
Um mundo melhor para todos, é o que desejo !