O que vamos fazer ao gasóleo que vamos deixar de consumir?
"Excesso de informação mata informação" e nunca tivemos tanta disponível, para tanta gente. A grande questão está na sua qualidade.
Estamos tão habituados a não verificar dados e a viver depressa para tentar cumprir as mil tarefas (na grande maioria inúteis para a nossa sobrevivência), que acabamos por aceitar "meias verdades" e seguir em frente. Aceitamos qualquer coisa que seja repetida na imprensa, até à exaustão, sem fazer perguntas.
Acredito que devíamos ter em conta que a nossa memória não é a ferramenta mais fiável do mundo, e por isso tivemos a necessidade de desenvolver técnicas de arquivo consultáveis. É assustador a quantidade de "verdades" que carregamos e caem por terra quando se enfrentam a uma boa base de dados. Eu ouço a minha avó dizer que o mundo está de cabeça para baixo por que não é possível ter tanto sol em pleno Outubro. Parece ter razão quando cruzo essa "informação" com aquilo que acho que aprendi sobre o outono: um tempo onde as temperaturas nos obrigavam a vestir camisolas de manga comprida. Depois pego nos álbuns de fotos e vejo algumas datadas no mês de Outubro, há trinta anos atrás, onde estamos todos de T-shirt numa paisagem despojada de nuvens e com vegetação colorida de amarelo e vermelho. Este factor, tão humano, abre a porta à manipulação de factos e fica complicado entender o que é verdade e o que é distorção. Isso não nega que um problema ambiental exista e precise ser analisado e solucionado, mas se não prestamos atenção aos detalhes, acabaremos por aceitar "soluções" carregadas de problemas.
Ouvimos falar da "nossa" pegada ecológica, que a solução passa por reduzir as emissões de gases e diminuir o impacto dos nossos carros movidos a gasóleo. Em contrapartida, quase não se fala na mania de alcatroar tudo e mais alguma coisa. O alcatrão também não é um derivado do petróleo? Já fizeram a experiência de medir o calor que sentem na rua da vossa cidade, onde não há a sombra de uma árvore? Depois comparar com uma ida até um campo e verificar a diferença que sentem quando se refugiam numa mata? Não devíamos estar a cobrar mais plantações de árvores aos nossos autarcas?
A estas questões podemos juntar as que se levantam quando pensamos em mobilidade eléctrica, como por exemplo:
- O que faremos com as baterias em fim de vida, dos carros eléctricos?
- Como abasteceremos as baterias dos carros eléctricos, se a produção de energia está caríssima só porque uma nação resolveu desafiar a ordem global e invadir o território dos outros? Não é essa produção de energia poluente?
- O que faremos com o lixo gerado pelas novas formas de gerar electricidade?
- Porque é que usamos campos cultiváveis para plantar painéis solares (futuro lixo), se os podemos integrar na construção dos edifícios?
- ...
São muitas questões e poucas, ou duvidosas, respostas. O que a actualidade nos vai contando é que a solução eléctrica não é assim tão viável como nos quiseram fazer acreditar. A mobilidade eléctrica permite a construção de veículos que não emitem gases directamente na atmosfera e reduz a poluição sonora nos centros das cidades, mas para chegar ao carro bonitinho do stand é preciso minerar. Esse processo de mineração exaustiva produz muitos problemas, que são camuflados às sociedades entretidas nas suas rotinas repetitivas e stressantes.
Contudo podemos ter uma ideia da dimensão do problema se abrandarmos um pouco e buscarmos informação em algumas fontes cuja credibilidade seja o cartão de visita e fonte de rendimento. Estão isentas de erros? Não. Porém sabemos que têm de zelar pela sua credibilidade, por que isso é o que as distingue do resto.
Por exemplo, a Forbes publicou um artigo onde descreve o impacto ambiental da exploração mineira exaustiva, a falta de condições trabalhistas que os mineiros enfrentam e que nós alimentamos fazendo compras sem nos informarmos, permitindo que essas empresas alcancem lucros que nunca serão usados para minimizar o impacto que causam. Uma dessas empresas é a vendedora de carros supostamente ecológicos. O selo "ecológico" serve para mascarar e justificar a ajuda dos governos, como principais impulsionadores de vendas, usando o dinheiro dos nossos impostos. A credibilidade das instituições está a ser usada de forma incorrecta nesta situação, porque quando os problemas se revelarem, provavelmente, usarão as nossas contribuições para tentar resolver o problema que a necessidade de lucro de alguns gerou. Ou seja, essas instituições vão-nos fazer responsáveis de uma situação de que cuja informação não dispúnhamos e com a qual não lucramos.
A DW (Deutsche Welle) tem várias reportagens e documentários que nos mostram o impacto da mineração do cobalto e outros minerais que são usados para os brinquedos tecnológicos que tanto amamos. Nos links que vos deixo, mostra-se como as grandes empresas, que ganham bilhões apresentando-se como as solucionadoras dos problemas das sociedades ricas, se refugiam no tamanho das suas cadeias de abastecimento para justificar a falta de vontade em acabar com os problemas de uso de mão-de-obra infantil, falta de condições de trabalho nestas explorações e criação de desertos tóxicos. Elas "podem tudo", menos agir para acabar com os problemas na origem!
Assistindo a estas manobras, de venda de veículos eléctricos, ficamos a perguntar-nos o que vai acontecer aos veículos de combustão que a maioria de nós utiliza, assim como a todas as infra-estruturas criadas para que eles possam ser abastecidos, reparados, construídos, etc... A solução mais óbvia será a sua venda para países de menor capacidade económica, mas eles não continuarão a poluir? No que toca as infra-estruturas, algumas serão readaptadas e outras virarão monos abandonados!
Um francês, antigo trabalhador de uma refinaria, resolveu partilhar algo básico acerca da forma como se obtém os combustíveis, mas que a maioria de nós ignora. No seu post, ele explica como o petróleo vai sendo aquecido e os gases libertados resfriados de forma a obter os diferentes componentes: nafta, gasolina, gasóleo, betume... A GALP também tem uma página, em português, onde nos explica o processo. São tantos componentes diferentes que será impossível abrir mão de tudo num futuro próximo e a exploração petrolífera vai ter de continuar. Isso significa que os combustíveis continuarão a ser fabricados, porque fazem parte do processo. A grande questão é: o que faremos com essas substâncias quando o consumo caia? Fabricaremos mais lixo? Enviaremos esse lixo para Marte, quando formos lá buscar os minerais que já não possam ser explorados na Terra? A que custo?
Nós adoramos brincar a ser Deus, mas a natureza já nos provou, vezes sem conta, que no final é ela que dita as regras, por isso se nós alteramos algo, sofreremos consequências quase sempre incalculáveis. Temos feito um excelente trabalho em destruir as nossas condições básicas de vida: poluindo a água potável, criando desertos, alcatroando tanto que as cidades viraram estufas, destruindo campos cultiváveis, criando tanto lixo que ninguém sabe muito bem o que vai acontecer com esses depósitos, etc... Vamos continuar calados esperando que as grandes empresas criem soluções cujo objectivo principal é obter lucros? Povos calados deixam os políticos reféns destes grupos económicos e condenam as gerações futuras a enfrentar os problemas que resolvemos ignorar.
Não temos capacidade para criar soluções sozinhos, mas podemos tentar informarmo-nos melhor, exigir melhores soluções aos nossos governantes e usar o nosso superpoder na hora de fazermos as nossas compras. Mercados parados obrigam os empresários a buscar outras soluções. Acredito que chegou a hora de serem as massas a manipular para a busca de melhores soluções e deixarmos de ser manipulados para comprar as soluções que nos impingem, apesar das péssimas consequências que estas nos podem trazer, num futuro não muito longínquo.
Na minha opinião, a reutilização é mais sustentável em termos ambientais, do que a compra de novos produtos e criação de novas infra-estrutura para eles. Porém está claro para todos, que isso não é muito vantajoso do ponto de vista económico e por isso será a última solução a que os capitalistas (os donos do mundo) vão recorrer, a não ser que sejam pressionados.
Voltando aos carros, os que hoje circulam a combustível são de fácil manutenção, porque existem milhares de infra-estruturas criadas para facilitar o seu uso, milhares de peças que podem ser reutilizadas, milhares de técnicos em reparação e isso diminui as margens dos construtores de carros. Agora se os abandonarmos em favor dos novos carros eléctricos, cuja manutenção será um novo monopólio controlado por um pequeno grupo e com a enorme vantagem para eles de que os governos estão a ser a principal fonte de marketing, toda uma nova fonte de rendimento se abre a esse lobby. O preço ambiental e social será algo que as populações pagarão mais tarde ou mais cedo. Mas se ninguém questiona, se ninguém faz barulho, o que é que isso importa, não é?
Eu importo-me, por isso, no que a mim diz respeito sempre optarei pela reutilização e educarei o meu filho nesse sentido. Sonho que algum dia verei as minhas inquietudes respondidas, de preferência, antes de ter de pagar a factura dos problemas que estamos a criar.
PS: Carlos Tavares dénonce la politique du « tout-électrique »